Friday, January 18, 2008

Ela

Não tirava os olhos dela desde há duas horas atrás, e poderia ficar a visualizar todos os seus movimentos por muito mais tempo. Não sentia qualquer vontade de comer, beber, ir à casa de banho...ela era a minha única necessidade vital e olhá-la satisfazia plenamente tudo o que pudesse precisar. Há mais de meia hora que não se mexia, embrenhada na leitura de um qualquer livro policial, que sabia ser do seu agrado. Quase que podia seguir o enredo da historia só de acompanhar as suas expressões, os trejeitos que fazia; um piscar de olhos mais revelador; um virar de pagina abrupto sugeria uma parte emocionante do livro, um bocejo a mostrar que as coisas estavam um bocado paradas no reino ficcional que a prendia. Começou a mostrar algum cansaço depois da 28ª pagina lida; marcou o livro com o que supus ser um cartão de visita, um pedaço de cartolina branco, e levantou-se do sofá. Sabia que não iria dormir tão cedo, apesar de se levantar todos os dias pontualmente às sete da manhã. Sabia-o porque a observara durante toda a semana anterior, e a anterior a essa. Na verdade, quando me debrucei sobre esse aspecto reparei que acompanhava todos os movimentos dela há pelo menos seis meses. Meio ano. Tempo que muita gente consideraria demasiado para se observar uma pessoa. Tempo que seria, para a maior parte das pessoas, suficiente para conhecer de cor o objecto que se observa. E sim, sabia-a de cor. Sabia a que horas se levantava todos os dias; sabia quais os pratos que lhe agradavam mais pelos trejeitos que fazia ao consumi-los; sabia os seus gostos musicais, o que gostava de ouvir e em que ocasiões; sabia a sua profissão, o que tomava ao pequeno almoço, acompanhava desde há muito o seu ciclo menstrual. Sabia mesmo muita coisa acerca dela, talvez até mais do que ela própria. Sim, acredito que a observação comportamental é um método muito mais fiável do que a introspecção. A introspecção é enviesada pelas emoções que existem devido ao facto de observador e observado serem a mesma pessoa. Não digo que não seja possível conhecer-se algo assim, mas como é lógico é um conhecimento muito menos verdadeiro, e a busca pela verdade é o que me move. É essa busca incessante que me faz observar as pessoas desde há muitos anos. Não tenho qualquer formação em psicologia, sou um auto-didacta.

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